Se nos perguntássemos por que Jesus teve que morrer na cruz, a maioria de nós responderia: “Para pagar pelos nossos pecados!”. É uma resposta bastante objetiva e parte da seguinte premissa: Deus nos criou em estado de plenitude e perfeição (Gn 1:26-28), contudo o pecado seduziu a humanidade e a condenou a morte (Gn 3:14-19; Rm 6:23). Adão, como representante da humanidade, transmitiu essa condenação a todos os outros (Rm 5:12-4; 1 Co 15:45-49) e Deus estabeleceu um padrão de regra para a justiça (Rm 3:19; Gl 3:19-20), junto com a condenação para quem a descumprisse (Dt 27:26). Todos nós acabamos descumprindo a Lei (Rm 3:9-20; 7:4-20), mas Cristo em si cumpriu a Lei por nós e pagou pelos nossos pecados (Ef 2:15; 1 Pe 2:24)
De forma sintetizada, esta é a doutrina da substituição penal. Poderia fazer um texto defendendo ela, mas o texto completo da Apologia à Doutrina da Substituição Penal está em meu site, escrita pelo Mateus Magalhães com colaboração do Victor Hugo e a minha. Ambos pertencem a Apologética Luterana. Para quem não conhece ou ainda tem dúvidas sobre essa visão bíblica da expiação de Cristo, recomendo ler pois lá a defesa está bem mais clara. Ajudei nas citações dos Pais da Igreja, porém existem muito mais trechos nos escritos primitivos que apoiam a doutrina e vou fazer assim como a publicação sobre o batismo infantil, o nome do autor, a citação e a fonte. Importante ressaltar que a tradução de certas citações foi realizada por mim de outras traduções ao inglês, logo há a possibilidade de ambiguidade em certas palavras. Todas as marcações foram feitas por mim.
Ressalto que não estou defendendo que todos eles defendiam a substituição penal e justiça imputada como foi exposta pelos reformadores no futuro, especialmente João Calvino e seus seguidores. Estou apontando para traços da doutrina que remontam desde os primeiros escritores cristãos, porém estes podem ser usados para a defesa da satisfação vicária igualmente.
Clemente de Roma (c. 35-99)
“Na caridade o Senhor nos acolheu. Pela caridade que teve conosco, Nosso Senhor Jesus Cristo deu Seu sangue por nós, segundo a vontade de Deus; sua carne por nossa carne, sua alma por nossas almas” [1]
Epístola a Diogneto (c. 130 d.C)
“Com misericórdia tomou para si os nossos pecados e enviou o seu Filho para nos resgatar: o santo pelos ímpios, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos mortais. De fato, que outra coisa poderia cobrir nossos pecados, senão a sua justiça? Por meio de quem poderíamos ter sido justificados nós, injustos e ímpios, a não ser unicamente pelo Filho de Deus? Oh doce troca, Oh obra insondável, Oh inesperados benefícios! A injustiça de muitos é reparada por um só justo, e a justiça de um só torna justos muitos outros. Ele antes nos convenceu da impotência da nossa natureza para ter a vida; agora mostra-nos o salvador capaz de salvar até mesmo o impossível” [2]
Epístola de Barnabé (c. 130 d.C)
“Se o Filho de Deus, que é Senhor e julgará os vivos e os mortos, sofreu para nos dar a vida por meio de seus ferimentos, acreditamos que o Filho de Deus não podia sofrer, a não ser por causa de nós. Além disso, já crucificado, deram-lhe a beber vinagre e fel. Escutai como os sacerdotes do templo se expressaram sobre isso. O mandamento escrito dizia: ‘Quem não jejuar no dia do jejum, será condenado à morte.’ O Senhor deu esse mandamento, porque também ele devia oferecer a si próprio pelos nossos pecados, como receptáculo do Espírito, em sacrifício, a fim de que fosse cumprida a prefiguração manifestada em Isaac, oferecido sobre o altar.” [3]
Martírio de Policarpo (c.155)
“Ignoravam eles que não poderíamos jamais abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de todos aqueles que são salvos no mundo, como inocente em favor dos pecadores, nem prestarmos culto a outro.” [4]
Justino Mártir (c. 100-165)
“Pois toda a raça humana estará sob uma maldição. Para isso foi escrito na lei de Moisés: ‘Maldito é toda aquele que não permanece em tudo o que foi escrito no livro da Lei para ser feito’ (Dt 27:26). E ninguém fez tudo com precisão, nem você ousará negar isto; mas alguns mais e outros menos que outros observaram as ordenanças prescritas. Mas se vocês que estão debaixo dessa lei aparentam estar debaixo de uma maldição por não terem observado todas as exigências, quanto mais todas as nações aparentarão estar debaixo de uma maldição, eles que praticam idolatria, que seduzem os jovens, e cometem outros crimes? Se, então, o Pai de tudo desejou que o Seu Cristo, por toda a família humana, tomasse sobre Ele as maldições de todos, sabendo que, após Ele ser crucificado e morto, Ele o ressuscitaria, por que você discute sobre Ele, que se submeteu a sofrer todas essas coisas de acordo com a vontade do Pai, como se Ele fosse amaldiçoado, e não lamentam em vez disso?” [5]
Eusébio de Cesaréia (c. 265-339)
“Nisso ele mostra que Cristo, distante de todo pecado, receberá os pecados dos homens em si mesmo. Portanto, ele sofrerá a penalidade dos pecadores, e será trespassado por causa deles; e não por si próprio” [6]
Atanásio (c. 296-373)
“A Palavra percebeu que a corrupção não poderia ser retirada de outra forma senão pela morte; no entanto Ele mesmo, como a Palavra, sendo imortal e o Filho do Pai, era de tal forma que não poderia morrer. Por esse motivo, portanto, Ele assumiu um corpo passível de morte, para que, por pertencer à Palavra que está acima de tudo, possa se tornar na morte uma substituição por todos, e, permanecendo incorruptível por meio de Sua habitação, possa encerrar a corrupção a todos os outros da mesma forma, pela graça da ressurreição. Foi entregando à morte o corpo que Ele tomou, como uma oferta e sacrifício livre de toda mácula, que Ele imediatamente aboliu a morte para Seus irmãos humanos por oferecer o equivalente. Pois naturalmente, visto que a Palavra de Deus estava acima de tudo, quando Ele ofereceu Seu próprio templo e instrumento corporal como um substituto pela vida de todos, Ele cumpriu na morte tudo o que era exigido” [9]
Gregório de Nissa (330-395 d.C)
“Tu nos salvaste da maldição e do pecado, tenso se tornando ambos por nossa causa. Tu quebraste as cabeças do dragão que nos sequestrou com sua mandíbula, no abismo da desobediência. Tu nos mostraste o caminho da ressurreição, tendo quebrado as portas do inferno, e reduziu a nada aquele que tinha o poder da morte – Satanás” [11]
Ambrósio (c. 340-397)
Agostinho (354-430)
“Malditos todos aqueles que forem pendurados num madeiro; não este ou aquele, mas absolutamente todos. Como! O Filho de Deus? Sim, certamente. Isso é exatamente ao que você se opõe, e que tanto anseia fugir. Você não vai admitir que Ele foi amaldiçoado por nós, porque você não irá assumir que Ele morreu por nós. A isenção da maldição de Adão implica a isenção de sua morte. Mas como Cristo suportou a morte como homem; assim também, Filho de Deus que era, sempre vivendo por Sua própria retidão, mas morrendo por nossas ofensas, Ele se submeteu como homem, e pelos homens, para portar a maldição que acompanha a morte. E como Ele morreu na carne que Ele assumiu ao suportar nossa punição, assim também, enquanto sempre abençoado em Sua própria justiça, Ele foi amaldiçoado por nossas ofensas, na morte que Ele sofreu ao carregar a nossa punição” [13]
“Pois até mesmo o Senhor foi sujeito a morte, mas não por conta do pecado: Ele tomou sobre si a nossa punição, e assim nos libertou de nossa culpa (…) Agora, como os homens estavam debaixo essa ira por causa de seu pecado original (…) Era necessário um mediador, isto é, um reconciliador, por quem a oferta de um sacrifício, do qual todos os sacrifícios da Lei e dos profetas eram tipos, deveria retirar essa ira (…) Agora quando é dito que Deus está irado, não podemos atribuir a ele tão perturbador sentimento que existe na mente de um homem irado; mas chamamos seu justo desprazer contra o pecado pelo nome ‘ira’, uma palavra transferida da analogia com as emoções humanas” [14]
Cirilo de Alexandria (376-444)
Conclusão
[2] Epistle of Diognetus, translated by Alexander Roberts and James Donaldson. From Ante-Nicene Fathers, Vol. 1. Edited by Alexander Roberts, James Donaldson, and A. Cleveland Coxe. (Buffalo, NY: Christian Literature Publishing Co., 1885.) Revised and edited for New Advent by Kevin Knight. <http://www.newadvent.org/fathers/0101.htm>.
[3] Epístola de Barnabé, 7. Coleção Patrística Vol I, Padres Apostólicos. Ed. Paulus
[4] O Martírio de Policarpo, 17. Coleção Patrística Vol I, Padres Apostólicos. Ed. Paulus
[5] Dialogue of Justin Philosopher and Martyr, with Trypho, a Jew, 95, St. Patrick Basillica, Ottawa.
[6] The proof of the Gospel being the Demonstratio Evangelica of Eusebius of Caesarea, Vol. 1, 3.2, W. J. Ferrar, Society for Promoting Christian Knowledge, London, The Macmillan Company, New York, 1920.
[7] Eusebius, Demonstratio Evangelica 10.1, trans. W. J. Ferrar, http://www.earlychristianwritings .com/fathers/euseb ius_de_1 2_book10 .html (accessed June 29, 2009).
[9] On the Incarnation, 2.9, Paul Halsall, 1998.
[11] The Life of St. Macrina, Macrina’s death prayer, W. K. Lowther Clarke 1916, Society for Promoting Christian Knowledge, London:68, Haymarket, S,W.
ARNOLD, Brian. “Penal Substitution in the Early Church”. The Gospel Coalition, 2021. Disponível em: https://www.thegospelcoalition.org/article/penal-substitution-early-church/. Acessado em: 23 de abr. 2021.
ARNOLD, Brian. “Did the Church Fathers Affirm Penal Substitutionary Atonement?”. 9Marks, 2019. Disponível: https://www.9marks.org/article/did-the-church-fathers-affirm-penal-substitutionary-atonement/. Acessado em: 23 de abr. 2021.
VLACH, Michael J. “PENAL SUBSTITUTION IN CHURCH HISTORY”. The Master’s Seminary Journal, v.20, n.2, p.199-214, set./nov. 2009.