Gaspard II de Coligny, François Clouet, 1565-70 – Saint Louis Art Museum
Gaspard II de Coligny, seigneur de Châtillon, nasceu em 19 de fevereiro de 1519, em Châtillon-sur-Loing. Era nobre de berço, filho de Gaspard I de Coligny e Louise de Montmorency, aristocratas da Borgonha. Seu pai era um grande militar e tornou-se Marechal da França e Conde de Guienne, porém faleceu quando Gaspard tinha ainda 3 anos, em 1522.
Seu tio, o conhecido condestável Anne de Montmorency, assumiu a sua criação e a de seus irmãos, permitindo que ele tivesse uma educação humanista na corte. Ele e seu irmão Francisco, futuro seigneur d’Andelot almejavam uma carreira militar e treinaram desde jovens para alcançarem seus sonhos. Aos 22 anos, em 1542, aproximou-se de Francisco, Duque de Guise, iniciando sua participação no campo de batalha ao lutar pelos monarcas Francisco I e Henrique II contra os espanhóis habsburgos.
Batalhou nas campanhas italianas ocorridas em 1544 e foi cavaleiro na Batalha de Ceresole, demonstrando bravura e resistência física. Em poucos anos tornou-se coronel-geral da infantaria, em 1547, graças a sua grande inteligência e habilidade, além de ser capaz de ordenar suas tropas. Segundo Walter Bersant, “era Coligny que pensava por todos, trabalhava por todos e provia a todos. Era Coligny quem disciplinava a tropa desregrada, treinando para manter entre eles, mesmo na guerra civil, as virtudes da vida cristã.” [1]
Casou-se em 1547 com Charlotte de Laval, descendente de uma das famílias mais poderosas da Britânia. Teve com ela oito filhos antes de falecer em 1568.
Foi oficializado almirante cinco anos depois, em 1552, durante o reinado de Henrique II, sucedendo Claude d’Annebaut. Em 1557, foi designado para a batalha de Saint-Quentin, cidade cercada por exércitos espanhóis vindos de Flandres e apesar de seu bom desempenho, os franceses perderam e ele foi preso por dois anos.
“O que mais desejo é que Deus seja servido em todo lugar, principalmente neste reino, em toda pureza de acordo com Sua ordenança, e depois, que este reino [da França] seja preservado” [2].
Durante seu cativeiro, converteu-se a fé reformada por influência de seu irmão, Francisco de Coligny, recebendo uma carta do próprio João Calvino. Anteriormente, Gaspard já havia favorecido os protestantes ao apoiar uma colônia huguenote no Brasil, em 1555 (France Antarticque, França Antártica), porém assumiu-se calvinista oficialmente em 1560, contando com a proteção de seu tio, duque de Montmorency e importante estadista. Ele e seus irmãos, também convertidos posteriormente, tornaram-se os aristocratas protestantes mais consistentes e zelosos, em um período onde as intrigas políticas levavam a contínua transição religiosa. Seu apego a fé é demonstrado por sua adesão a tradição reformada até o fim de sua vida e seus esforços em fortalecê-la, enviando em 1562 uma expedição huguenote a Flórida, liderada por Jean Ribault.
O apoio da nobreza era essencial para o desenvolvimento da fé reformada no país, muito mais atraída a nova fé humanista e intelectual do que os camponeses. “A nobreza era a pedra angular da igreja Reformada na França; como patronos da igreja eles providenciaram influência, representação na corte e força militar” [3]
Em 1560, solicitou a coroa que igrejas fossem construídas aos huguenotes para promover a paz, mas não foi ouvido. O terrível massacre de Wassy ocorrido em 1 de março de 1562 matou 70 huguenotes inocentes e foi estopim para as Guerras Religiosas iniciadas em 1562, movendo um conflito armado entre os dois grupos religiosos, huguenotes e católicos romanos. Luís, Príncipe de Condé, ergueu-se como líder dos protestantes, respondendo a ofensa dos Guise e dos romanistas ao mover uma campanha militar em Orléans e iniciando oficialmente os embates entre eles. Gaspard foi acusado de ordenar a morte de Francisco de Guise em 1563, antigo amigo seu mas que tomou desafeição após as disputas de fé. O falecimento do líder católico ocasionou em um ódio muito maior contra os protestantes, levando a uma sequência de fatos que resultaria na morte do próprio Gaspard no futuro.
A morte de Luís de Condé durante a Batalha de Jarnac (1569) permitiu que ele ascendesse ao posto de proeminente líder dos huguenotes. Por anos, combateu ao lado dos calvinistas, sendo admirado por Calvino por sua fidelidade a defesa da fé. Dentre seus combates como comandante, estão a Batalha de Dreux (1563), anterior ao falecimento de Luís, o Cerco de Poitiers (1569), a Batalha de Moncontour (1569) e as vitórias decisivas em La Roche-l’Abeille (1569) e Arnay-le-Duc (1570), a última responsável por forçar a coroa a assinar um armistício. O fim da terceira guerra, em 1570, contou com seu papel no tratado de paz de St. Germain, aproximando-se do monarca Carlos IX e em menor grau de sua mãe, Catarina de Médici, ainda desconfiada. Influenciou o monarca a apoiar os holandeses calvinistas contra os espanhóis, fortalecendo o ódio que Henrique de Guise, o clero e a maior parte da casa de Lorraine já possuíam contra ele por sua fé e por ser alegadamente culpado da morte do pai de Henrique, seu antigo amigo Francisco.
Em 18 de Agosto de 1572, o monarca havia decidido dar sua irmã, Margarida de Valois, em casamento a Henrique de Navarra, sucessor do pequeno reino vizinho de Navarra e parte da casa de Bourbon. A união de uma católica com um huguenote gerou um alvoroço e preanunciou um paz mais sólida, levando muitos protestantes à capital para prestigiar a celebração, inclusive o próprio almirante. Quatro dias depois, na manhã de 22 de agosto, Coligny retornava de uma reunião do conselho no Palácio do Louvre quando foi baleado em decorrência do plano maquinado pelo duque Henrique de Guise e Catarina de Médici, com possível participação da coroa espanhola. Ainda estava vivo, repousando em seu leito quando na noite do mesmo dia uma tropa mandada por Henrique invadiu sua casa e cravou uma espada em seu peito, jogando então seu corpo pela janela. Finalmente ele morreu ao ter o rosto partido em dois, um assassinato brutal que foi apenas o princípio de um banho de sangue que durou mais de um mês e levou a vida de no mínimo 2.000 huguenotes só na capital, chegando a casa dos 30.000 por todo o país. O dia de sua morte ficou marcado como o Massacre de São Bartolomeu, o maior dos massacres religiosos europeus.
Pela sua nobre dedicação a causa huguenote, sua devoção inabalável, cooperação com as missões protestantes e o seu desejo puro em servir a Cristo, Gaspard merece ser lembrado como um grande herói, um dos maiores da França e da história calvinista.
[1] Walter Besant, Gaspard de Coligny (London: Chatto and Windus, 1905), p. 195 [2] Quoted in A.W. Whitehead, Gaspard de Coligny: Admiral of France (London: Methuen and Co., 1904), p. 347
[3] Carter Lindberg, The European Reformations (New Jersey: Wiley-Blackwell, 2010), p.269